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Aos moradores de rua, a rua

XADALU, 

3 ANOS 

DEPOIS

TEXTO E REPORTAGEM Gabriel Hoewell e Ramiro Simch

FOTOGRAFIA Gabriel Hoewell DIAGRAMAÇÃO Gabriel Hoewell

“Quando tu vem de um ambiente mais excluído, periférico, a tendência é tu te retrair", declara. Mesmo assim, foi entrando aos poucos em todos os circuitos e diz ter sido bem acolhido, tanto pelos artistas de rua quanto pelos críticos e estudiosos de arte. Xadalu saiu das ruas, e hoje abre sua primeira exposição individual, no Museu dos Direitos Humanos do Mercosul.

 

Faz mais de três anos que o entrevistamos pela primeira vez. Na segunda edição do Bastião, mostramos o tímido artista espalhando sua arte pelo centro de Porto Alegre e apresentamos o que estava por trás de cada adesivo. Dione segue tímido, tanto que não revela o endereço de seu ateliê para evitar que muitos interessados apareçam. Mas hoje sua identidade é conhecida e, logo antes de nossa conversa, posava para fotos no Correio do Povo, que, como o Jornal do Comércio e a Zero Hora, estampou longa matéria sobre a exposição.

 

 

Nossa primeira entrevista com Xadalu foi em 2011

A decisão por aparecer está ligada àquela foto em preto e branco de Dione atrás da faixa de “Censurado”, brincando com uma investigação realizada em 2012 pelo Ministério Público sobre seu trabalho. “Quando o Ministério Público abriu uma investigação contra mim eles pensavam que eu me escondia porque devia. Aí eu vi que era legal aparecer, senti que eles pensavam que eu tinha medo”, conta. A investigação de fato assustou, mas terminou engavetada quando se percebeu que ela não se sustentava num julgamento minucioso. Curioso e paradoxal era ver, ao mesmo tempo, o mesmo Xadalu investigado pelo MP expondo seu trabalho no Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul. Hoje, afirma, “o poder público tá entendendo melhor” a arte de rua.

 

A exposição de sua imagem levou inclusive à realização de dois filmes com ele: Sticker Connection, sobre a arte de rua no mundo, e Xadalu, sobre o próprio. O primeiro é reflexo dos vínculos de Dione com artistas do mundo todo através da internet, recebendo e enviando numerosos pacotes de adesivos, o que propagou seu personagem para mais de 60 países ao longo dos últimos anos.

O discurso radical - avesso à arte paga e às câmeras - e as oportunidades foram se abrindo com o tempo: "a cabeça muda". Xadalu diz que se via um tanto sufocado pelo seu “idealismo hard”. "A arte tá longe de ser popular. O custo é alto, até para o grafiteiro", lamenta. Hoje, as matrizes serigráficas e os cursos que dá em seu ateliê - mesmo sem explorar a fama do indiozinho - compõem parte importante de sua renda.

 

Contudo, nada disso o faz esquecer da razão de seu trabalho. Seu contato com as aldeias indígenas segue forte. Convidado recentemente a fazer intervenções em um festival de música, Dione estabeleceu o cachê: a construção de um banheiro. Era disso que o cacique da aldeia guarani Pindó Poty, no Lami, em Porto Alegre, precisava. Precisava mesmo era de terra, brincou. Fecharam o acordo pelo banheiro, a ser construído no início de 2015. "No momento em que tu tem uma causa, tu não é só um artista", acredita Xadalu.

 

 

Muita cor cobre as paredes da sala razoavelmente espaçosa na região central de Porto Alegre. Os indiozinhos não são mais só stickers e lambe-lambes; viraram mosaicos, bonecos de papel machê e uma colorida escultura feita em massa automotiva que chama a atenção de quem entra. Em meio a colagens nas paredes, uma fotografia P&B de Dione Martins, dono daquele ateliê, com a tarja “Censurado”. Sobre a mesa, panfletos convidam para oficinas de serigrafia. Na estante um troféu: foi o artista plástico do ano no estado. Máquinas se espalham por todo o ambiente, tomando inclusive uma espécie de mezanino. Tudo é novo nesse cenário e as mudanças se explicariam com a conversa que viria.

 

Dione Martins, 29 anos, criador do famoso indiozinho Xadalu, colado por placas de toda Porto Alegre, mora e trabalha lá desde o início do ano. Em 2013 visitamos seu antigo estúdio, no bairro Camaquã, zona sul da cidade. Nos fundos da casa da família, era um ambiente pequeno, apertado. Talvez aquilo limitasse as possibilidades de criação do artista e a mudança foi positiva e necessária, reconhece Dione. Mas tão positivo e necessário quanto, foi ter vivido e surgido da periferia: “Só quem é de lá sabe o que acontece”, diz, citando Racionais MC’s.

 

Na verdade, nem tudo era novo naquele cenário. Dione mudara alguns posicionamentos, mas mantinha a mesma vontade que moveu sua arte desde sempre - divulgar a cultura indígena - e o mesmo indiozinho seguia como a sua marca para a arte porto-alegrense.

 

 

 

Revista Bastião | Porto Alegre | 2014

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