literatura // Vai ter copa sim

As aulas recomeçaram e o que antes já era caos ficou pior. Acredite. Estamos sendo enganados, são as obras, eles dizem. É o capitalismo, eles dizem. É o acesso da nova classe média aos automóveis, eles dizem. E eu lá, uma hora e meia, de pé, espremido contra o sovaco de alguém que tem idade para ser meu avô. Nos assentos preferenciais tem alguém com idade para ser meu filho. Tenho meu celular e os fones de ouvido. Salve a música. Salve Chico Buarque. O moleque com idade para ser meu filho não usa fones, mas ouve música. Melhor não pausar minha música para entender o que diz a letra, mas quando acontece a troca de música na minha playlist o som do garoto trespassa meus fones. É pura batida. Batidão. Prefiro não julgar.

Salvem Chico Buarque, salvem a música. Levaram meu celular. Foi o moleque. Levou os fones também. Que faça bom proveito. Está cada dia pior. No supermercado pego alguns produtos, analiso os preços e tento ver qual vale mais a pena. Digo que tento, pois a indústria está, cada vez mais, fazendo produtos com números quebrados. Cerveja de 274 ml. Qual vale mais, pelo preço... Essa aqui por R$ 3,54 de 274ml ou essa outra de 251ml por... Peraí, cadê o preço. Deixo pra lá. Nem tento fazer o cálculo. Meu acesso a educação foi precário. Pego uma cachaça mesmo. É 51, número quebrado, mas uma boa ideia. Na parada, esperando o ônibus. Com as sacolas, sem celular. Começa a chover e cada pingo que cai o asfalto responde. A cidade reage: tudo para. O ônibus anda, mas já é tarde. Se assistisse a novela, teria perdido. A janta deve estar fria. Mas tudo bem, abro um sorriso: pelo menos o jogo de hoje é transmitido na TV aberta. Se não tivesse faltado luz, claro. E tu ta aí sendo otimista, dizendo que quer ver na copa. Eu quero ver é amanhã, no ônibus.

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